O dia em que conheci Florinda
– Esse guarda-chuva é seu?
Estava eu parado num ponto de ônibus numa noite chuvosa, em alguma avenida de São Paulo. E, para variar, divagando sobre Numerologia.
– Não, não é meu.
– Então foi alguém que esqueceu aqui no banco, disse a senhora baixinha e sorridente.
Falei:
– Havia um casal sentado aí. Pegaram o ônibus e acho que a moça esqueceu o guarda-chuva, na pressa de subir no ônibus.
– E agora, o que vamos fazer?
– Acho que a senhora deveria ficar com o guarda-chuva. A pessoa não vai voltar.
Ela falou:
– Então vou sentar um pouquinho aqui, quem sabe ela volta.
A senhora olhou bem em meus olhos e disse-me:
– Você sabe o que mais me assusta?
– Não sei.
– Eu envelheci e não percebi. Não me dei conta de que estava envelhecendo.
Não aceito a idade que tenho. Quando ando de Metrô, e as pessoas se levantam para me dar lugar, é que percebo que envelheci.
Quando tinha 17 anos, me apaixonei pelo Álvaro.
Morria de amores por ele. Namorava escondido com ele.
Mas minha família arranjou meu casamento, é tradição de nossa raça.
Fui obrigada a me casar com meu marido, gostando muito do Álvaro.
Tive três filhos. Minha filha é pediatra. Meu filho mais velho é advogado e o caçula tem uma loja de produtos de informática.
Meu marido morreu faz cinco anos e fiquei sozinha.
Estava morando com minha filha, mas não dá certo.
Eles são muito bons para mim, me dou bem com eles. Mas envelheci.
Fui criando os filhos, me dedicando ao meu marido, deixei-me de lado.
O tempo foi passando. E agora descobri que estou velha e não aceito.
Deixei meu amor, não o vivi. E agora, o que faço?
Respondi:
– Mas a senhora teve muitas conquistas. Não acha?
– Sim, tive. Mas a principal, o amor, eu não pude conquistar.
Fiquei 40 anos sem ver o Álvaro.
E, quando soube, ele também tinha morrido.
Como vou conquistar esse amor?
Como faço para viver esse louco amor, que durou todos esses anos?
São mais de cinquenta anos de amor.
Quero vivê-lo!
Quero conquistar esse direito.
Indaguei:
– A senhora acha que conseguimos, numa única vida, conquistar tudo que queremos?
Ela disse:
– Pois é.
Dizem que depois da morte existe algo mais. Outra vida. Outro plano.
Outra condição.
Não sei.
Sabe duma coisa?
Quando eu morrer e chegar lá, a primeira coisa que vou fazer é procurar o Álvaro.
Não sei se estaremos no mesmo plano, dizem que há estágios diferentes.
Não importa, vou procurá-lo e dizer o quanto o amo.
E dessa vez não vou me contentar com pouco.
Eu aceitei uma vez a nossa impossibilidade de viver esse amor.
Mas agora sei que não mais a aceitarei.
Ele foi o único homem que amei.
Vou dizer-lhe isso, independentemente de qualquer coisa.
E tem mais, quando eu tiver uma outra vida vou fazer tudo que quiser.
Olha, sabe de uma coisa, faça tudo que você quiser.
Tudo o que tiver vontade de fazer.
Não deixe nada para trás.
Lute pela sua vontade.
Não importa o que os outros pensarem.
Faça o que você desejar fazer.
Só isso.
Bem, eu vou embora.
Já conversamos muito.
Estendi a mão para essa encantadora senhora e disse-lhe:
– Sabe, dona Florinda, a senhora é admirável.
Ela disse:
– Obrigada.
E foi-se embora.
Sentei no banco para refletir.
Refletindo agora sobre a vida humana.
Quão encantadora é uma jornada cósmica/vida.
Quanto podemos aprender em uma única vida, bem vivida.
Que encanto existe na dor.
E quanto ensinamento está contido na perda.
Com certeza a admirável Florinda marcou muito a minha vida.
Ela foi breve e resplandecente.
Encantadora em sua sabedoria e simplicidade.
Guardo-lhe a lembrança com muito carinho, admiração e respeito.
Num dado momento de nossa conversa, pedi-lhe a data de nascimento.
Como Numerólogo, não resisto a isso.
Ela disse que nasceu em 13/09/1928, ou seja, a Florinda é o caminho de vida 6.
O caminho da família, do lar e da prática afetiva.
Cada vez que penso na Florinda sinto um doce sabor, uma suave fragrância de carinho, um envolvente abraço de suavidade.
Hoje estou com a idade que a Florinda tinha quando a conheci.
E posso te garantir que os maiores sabores da vida que podemos sentir é ter vivido aquilo que você acredita.
E não aquilo que alguém acredita e te obriga a acreditar.
Autor: Roberto Numerólogo